Cultura

Live ou Laives – Um saco de lixo e algumas raridades


21/06/2020

Sempre gostei de atualidades. De estar informado sobre o que há de novo, os livros, discos, programas de televisão, filmes, música, teatro, as tendências, e muito mais. Gosto de circular, conhecer novos artistas, seus trabalhos, avaliar seus potenciais, seus talentos, interagir.

Nesses novos tempos, de Novo Normal, quando ficar em casa é voluntariamente um exercício de sobrevivência, nossos costumes foram obrigados a mudar um pouco, muito do cotidiano, desde a hora de dormir e acordar, a forma trabalho, a comunicação…

Graças a Deus e aos caras da tecnologia, temos hoje os smarts, disponíveis à palma da mão. É como se ao mesmo tempo tivéssemos o mundo através de pequenas telinhas e os touchs (toques), para dar as ordens.

Sim, temos quase tudo ao nosso alcance. Então, o que nos falta. Seria capaz de responder ao primeiro segundo: o calor humano das relações. Usando nossas relações apenas através da tela de um pequeno aparelho, nossa vida quase se torna uma célula automatizada, obrigada a não sentir cheiro, calor, entre outras sensações. Há algo como que limitando nossos passos.

Beijar, abraçar, tomar um vinho com outra pessoa ao lado, participar de um jantar, uma palestra, caminhar pela praia ou pelo campo é diferencial indizível para qualquer ser. Tomar banho de sol ou de lua, não é a mesma coisa quando enxergamos a natureza apenas através da telinha.

Foi na contramão desses castigos obrigatórios dos tempos de pandemia que, confesso, fiquei intrigado com essa nova moda, a tal de Live, ou laive. Acho um saco. A maioria das pessoas resolve marcar uma data e hora para cantar, e dizer bobagem, e convida os amigos como se isso fosse acontecer nos padrões dos melhores espetáculos do mundo. Se parar e observar, você tem o dia inteiro só para ver a programação de lives que vai rolar. O número de anúncios de lives disparou. Pior, os convites são na maioria acompanhados de pedidos de depósitos em dinheiro na conta corrente bancária para ajudar isso e aquilo. Confesso também que não acredito em ninguém sobrevivendo com tais migalhas.

As lives não passam, em média, de 50, 100, 120 acessos. Exceto aquelas de grandes ídolos como Anitta, Pablo Vitar, Luan Santana, e os sertanejos e pagodeiros já consagrados do mercado…

As lives são pequenos shows online, em que a maioria de novos artistas, desconhecidos, resolve se autopromover e promover seus trabalhos artísticos, o que sem dúvida é direito de todos. Como é direito do internauta acessar ou não. Acontece que estas apresentações são caracterizadas pela pobreza estética, pelo descuidar de uma melhor presença. Os caras não buscam vestir uma roupa legal, se apresentam apenas com uma camiseta qualquer e uma bermuda. As mulheres ainda, aqui e acolá, colocam maquiagem e dão um jeito nos cabelos. Não há cenário, parece que resolvem, por padrão, escolher a pior parte da casa, um fundo de quintal, uma parede detonada de furos de pregos e tomadas penduradas, e latas de leite, papagaios, a maior bagunça. Tudo jogado. Não estão nem aí para a imagem que será projetada na sua sala, no seu quarto, no seu íntimo.

Acho um absurdo essa falta de noção do que se pode, mesmo com pequeno recurso e através do smarth, oferecer com um mínimo de magia, de beleza, de alegria e tornar melhor a transmissão. Porque não? Porque, então, optar pelo lixo?

Talvez possamos até encontrar uma razão para tal comportamento agora quase totalmente generalizado das pessoas. Elas estão no seu direito de uso dos seus comportamentos, das suas realidades, sejam virtuais ou não, e exploram esse lado relaxado, essa coisa própria de assumir uma personalidade que pede aplauso e aprovação. Como uma solução para abrandar a bagunça do seu ego, organizar desorganizando os desejos do seu orgulho de poder.

Foi Alvin Toffler, o futurista americano morto em 2016, que em 1970 e respectivamente 1980, escreveu em seus livros O Choque do Futuro, e A Terceira Onda, que em breve teríamos, cada cidadão, em cada cabana eletrônica, uma câmera na mão e a capacidade de produzir seus próprios filmes, sua fotos, editar, distribuir e até transmitir ao vivo para o mundo, usando comportar-se como próprias estrelas do cinema e da televisão. Foi Andy Wharol, o designer dos Rolling Stones e outros magníficos trabalhos, quem disse a famosa frase: `No futuro cada um terá pelo menos cinco minutos de fama´.

O leitor deve achar que eu sou um cara complicado, tipo crítico, que gosta de azedar as coisas, que não vê nada de bom em nada no mundo. Ou que sogro problemas psicológicos ilógicos. Sim, mas eu procuro boas razões, boas coisas para apreciar. Diante disto, confesso que mesmo com tamanho lixo na internet, ainda encontramos preciosidades, raridades em filmes, antiguidades, e até lives.

Nestes dias de pandemia assistimos poucas, raras e boas lives como as de Alceu Valença, Gilberto Gil e Baiana System, novamente Gil e Iza, Tom Zé, Roberto Carlos, Elba Ramalho. E vem aí Milton Nascimento e outros. O que prova a democracia online e o filtro que se pode buscar para encontrar raridades. Fica ao gosto do freguês, ou seja, o internauta dá as ordens se assiste a laive ou muda de canal.


O Portal WSCOM não se responsabiliza pelo conteúdo opinativo publicado pelos seus colunistas e blogueiros.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.
// //