Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

Janeiro/1968: O PRONUNICAMENTO DO GOVERNADOR


03/01/2012

Foto: autor desconhecido.

 

É unânime a afirmação de que 1968 foi o ano das transformações, por isso o sociólogo Edgar Morin o classificou como “êxtase da história”. Foi um tempo em que muitos sonharam, muitos manifestaram desejos de mudanças, muitos proclamaram discursos de crença e de estímulo à construção de um novo mundo.

No seu primeiro dia o mundo inteiro tomava conhecimento do apelo que fazia o Papa Paulo VI aos “dirigentes das nações que, direta ou indiretamente, são responsáveis pelo recrudescimento das atividades bélicas em diversas partes do mundo, particularmente no sudeste asiático, no sentido de que encontrem a paz tão almejada por toda a humanidade”. Era a primeira pregação de mudanças tornada pública no ano. Ele desejava, como todos nós, que os homens de todas as nações se confraternizassem, abandonassem os motivos de promoção de conflitos entre si. Era um sonho transformador, sem dúvidas. Uma crítica aberta á guerra do Vietnã.

Enquanto isso, na Paraíba, em entrevista coletiva concedida no Palácio da Redenção, na manhã do dia 02 de janeiro, o governador João Agripino Filho, em resposta a uma pergunta formulada pelo jornalista Soares Madruga, sobre quando, ele na condição de membro da ARENA – Aliança Renovadora Nacional, partido que dava sustentação à ditadura militar, iria fazer política partidária, surpreendeu com um pronunciamento não muito ajustado a quem pertencia a uma das mais tradicionais e poderosas oligarquias da Paraíba e de forte tradição conservadora na prática política. Surpresa também pelas circunstâncias, uma vez que pertencia a uma agremiação partidária que comandava o Estado Autoritário que havia se instalado no país. Representante do que se colocava como a antítese da democracia, das liberdades de pensamento e ação, da negação a princípios que conduzissem a sociedade a costumes políticos modernos. O Poder Central desestimulava discursos de alteração da cultura política historicamente vivenciada no Brasil.

João Agripino, apesar dos seus vínculos com a ditadura, tinha coragem de falar o que pensava, e ousou colocar seu pensamento político contrário ao que costumava exercitar a militância da época. Reagiu com determinação às pressões de sua base aliada e mandou um recado duro que faço questão de registrar neste instante em que procuramos resgatar nossa memória política, para que a geração contemporânea saiba que no limiar de 1968, nosso governante fez a mais legítima pregação de princípios republicanos a que um homem público deve estar comprometido.

Eis na íntegra a resposta do governador: “ Se política partidária é fazer nomeações sem concurso público, isto não posso fazer, porque a Constituição me proíbe. Então que os políticos se queixem deles mesmos que votaram a Constituição. Se política partidária é dispensar favores com recursos do Estado, isto não posso fazer. Mas se política partidária é introduzir financiamento à produção, distribuir silos, melhorar o ensino e a saúde, trazer indústrias, pavimentar estradas e projetar outras, então, eu estou fazendo essa política, porque essas coisas sensibilizam grandes áreas e não deixam de ter rendimento político. A diferença talvez seja de concepção.” Era o combate ao clientelismo e a defesa da moralidade administrativa. Inovação de mentalidade.

A Paraíba, então, por seu governante, começava 1968 pregando mudanças estruturais e comportamentais, mesmo que, contraditoriamente, no curso do ano, tenha, por exigência do Governo Central, em alguns momentos, reprimido manifestações populares.

Mas foi, sem dúvidas, o primeiro personagem paraibano a atuar em consonância com o espírito renovador que fez aquela geração colocar seus sonhos como eventos da nossa história.

* Este Texto faz parte da série COMO A PARAÍBA VIVEU O ANO DE 1968

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