Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Genilda – A menina de Pilõezinhos


24/10/2017

Foto: autor desconhecido.

Genilda – A Menina de Pilõezinhos


Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.
(Fernando pessoa, citado por Genilda)

Conheci essa menina, Genilda Azerêdo, no dia que fizemos concurso para Professor da UFPB em 1991. Eu recém parida de Daniel, meu filho caçula. Frágil , com os peitos cheios de leite, e com os olhos nas fraldas muito mais do que em “Teaching Reading” – o ponto que caiu na prova para professor de Língua Inglesa. Genilda passou em primeiro lugar e eu em terceiro. Pulei de alegria. Mas senti um frio na barriga, pois o desafio de dar aula na UFPb me estremecia.

A partir daí, viramos colegas e amigas. Compartilhamos muitas experiências, alunos, viagens, filmes, tristezas, alegrias, acalantos, longas conversas, danças, aplausos, abraços, turbulências no avião, na vida, poemas lindos (que ganhei nos aniversários), Virginia Woolf, Jane Austen, Robert Stam, Linda Hutcheon, disciplinas de João Batista Brito, amigas comuns, livros, histórias, segredos, confraternizações, cafés, até uma fila de alfândega de relâmpago… Genilda também foi da minha banca de doutorado. Entre as minhas Horas, nos arguimos e celebramos.

Desde que lhe conheci, que ouço histórias do seu pai fogueteiro, da sua família numerosa (13 irmãos), e sempre da sua mãe querida e amorosa, D. Tezinha – coincidentemente o mesmo nome da minha sogra. Apelidos é claro, seus nomes são Maria José e Maria Célia respectivamente.

Dia 17/10 fui convidada a assistir sua Banca de Memorial para ascender para Professor Titular. Tinha certeza de que a sua apresentação não seria uma mera formalidade. E tive o que esperava. Uma aula de competência, objetividade, relatos, poesia, e principalmente afetos, como ela mesma disse na introdução. Lindo de vê-la recitando Adélia Prado e seu Ensinamento, e a falar dessa mãe que, de um lugar distante geográfica e simbolicamente, conseguiu formar 13 filhos e 10 professores doutores.

Entre uma pesquisa e outra; entre um Pibic e outro; entre uma tese e outra – Genilda desaguava no acolhimento e amor de sua mãe. Lembro que, desde que lhe conheci, e de tanto ouvir sobre esse amor, que juntas debulhavam feijão verde aos sábados, que pedia para ir visitar e conhecer essa mãe compartilhada em tantos e tantos filhos – De tanto amor! Sentia curiosidade por esse sentimento tão imensurável que transbordava à pessoa dessa querida amiga. Conheci D. Tezinha por aqui mesmo. E seu rosto correspondia ao retrato.

Genilda falou de literatura, cinema e educação, e da potência dos vaga-lumes. Resgatou lembranças nos seus 38 anos de ensino. Citou Four Quartets, de T. S Eliot, poesia que conheci com Vitória Lima e Michael Smith, em tantas aulas tantas. Recitou Memória de Drummond e as coisas findas, lindas, que gravei nas homenagens a Juca na pracinha do Sebrae. Coisas lindas, lindas lindas, da vida…

Sem pudor, se referiu à pobreza da sua vida, da sua cidade sem cinema , sem livros, e sem biblioteca. (Como não lembrar de Virgínia Woolf e o seu texto Um Teto Todo Seu, que ela inclusive citou), e da pobreza das mulheres nos cascalhos das universidades Oxbridge!. Da vinda tão jovem, aos 14 anos, para estudar na capital, das pessoas que lhe acolheram, dando-lhe abrigo e caminho (Maryland, Regina Celi). Dos irmãos que possibilitaram estudar na Cultura Inglesa, e o primeiro disco de Chico Buarque, que ninguém esquece. Chico, seu grande amor das artes, junto com tantos outros que citou. Cecília, Carlos, Adélia, Woolf, Austen….

Falou do EU, que não é somente o seu, mas do amálgama que a encharcou de afetos tantos em tantos anos de academia e de vida. Tudo entranhado nas teias do amor e da ficção. Da leitura, e dos livros que se encantou. Mas também das tantas coisas de que gosta e das dificuldades das escolhas. Agradeceu aos Professores inspiradores, da coletividade, com Adélia – “Eu vivo sob um poder que ás vezes está no sonho no som de certas palavras agrupadas!” .

E perguntou com os versos de Rilke – “Confessa a si mesmo se morreria, se lhe fosse vedado escrever? E ela substituiu o verbo escrever, por ler? Poderia, poderia? Não! Responde veementemente. E lendo seguiu! Lendo migrou para a área de literatura para ensinar a aprender a ler e interpretar, a falar, ouvir, escrever, ver, sentir.

Onde começou tudo? Escrevendo para as festas familiares. E o que Pode a Literatura? O poder! O poder de viver o que ainda não se sabe, e que não se sabe expressar. A Alteridade. O amor. Foi buscar respostas em Todorov e Vargas Llosa. A literatura em Perigo e A verdade das Mentiras – esse último herdei de Juca e que também estão nas minhas estantes, e fez parte das minhas aulas também. A partilha do sensível , de Jacques Raciére, outro filósofo inspirador para Genilda .

Sua fala? tudo interligado. Família, estudo, ficção, cinema, fogos do são João, A casa das 7 mulheres, Teoria, crítica, texto. O texto literário? Não re-cria a vida, problematiza a vida! Viver não é relatável! (Clarice Lispector), citou Sonia Ramalho, membro da banca, ao comentar o seu longo memorial em espiral. Como conseguir relatar uma vida? Uma vida acadêmica? Com a literatura? Com o cinema? Com a poesia? Genilda conseguiu essa proeza. Pois o que tinha e tem sobrando, o talento, a poesia entranhada nas células e sua própria memória, a delicadeza e agigantamento quando o assunto é trabalho, é exposição. Não dá ponto sem nó. Tudo é esmero. Tudo é afinco. Eu aprendi tanto com ela! Caprichosa que é! E eu com meu jeito labrogeiro, minhas improvisações, minhas vivências mais orgânicas e experimentais….; eu tão lantejoulas, e ela tão algodão colorido! Sua vaidade? O trabalho! O prazer do texto! O (re)conhecimento. O pergaminho chamuscado das imagens dos seus slides. Seu Memorial? uma matéria viva e vertente, como disse Sonia, e compartilhado com toda aquela sala lotada de gente que em algum momento escolheu a estrada certa – Ela, Genilda!

Sonia, honestamente, demonstrou sua inveja pela colega avaliada. E confessou: “A inveja, o mais sincero dos sentimentos, pois não conseguimos esconder quando a temos”. A inveja que eu também senti ontem. A inveja de todos ali presentes. Inveja de admiração.

Como narrar um vasto mundo? Talvez não sabemos. Mas Genilda soube. Carregando o seu mundo ontem, naquele tempo circunscrito, naquele instante Woolfiano, na sua novela não escrita? Talvez? Nas suas paisagens sem orgulho nem preconceito, e nos jardins de Kew Gardens, não de London London, mas de Pilõezinhos, um lugar não no cascalho da pobreza e invisibilidade feminina, mas nos holofotes de quem chegou lá – na alegria da realização e do reconhecimento. Todo dela! Todo dela!

E de grão em grão, de desafio em linhas curvas, Genilda constatou a sobrevivência dos vaga-lumes!

Parabéns e toda minha admiração!

Obs – Tenho certeza de que aqui no texto , amigas(os) queridas assinam embaixo!( Rosangela Neres, Edvânea Maria, Lucinha Nobre, Liane Schneider, Betânia Medrado, Maura Dourado, Betinha Souto Maior, Vitória Lima, Vilani Sousa, Jeová Mendonça, Caio, Jenison, Bernardo, e tantos outros não presentes)

Ana Adelaide Peixoto – 18 de outubro de 2017
 


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