Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

De Twitter & Outras Conversas


04/05/2010

Foto: autor desconhecido.

 A relação dos homens com suas máquinas maravilhosas é coisa antiga. Com os carros então….coisa fálica, simbólica, que estudo nenhum dá conta. Uma oficina mecânica é sempre um lugar masculino de diversão e êxtase. Carrinhos, corridas de Fórmula Um, aeroplanos, batalha naval, só para citar alguns.

Os escritores Ingleses George Orwell e Aldous Huxley, H. G. Wells são alguns dos artistas a se anteciparem a retratar toda a complexidade de (in)depedência do homem e todo o poder dessa relação com os botões.

Mas a máquina de hoje mudou. E eu, sou privilegiada de ter acompanhado algumas das mudanças. Quando era menina, a conversa se estabelecia nas visitas. Pois é , costumávamos visitar as pessoas. Eu dava uma carreira só pela Coremas, ciscando os tapetes Fúcsia dos jambeiros, e lá ia eu na casa de Dodora ou Glauce, para prosear, estudar ou simplesmente fazer um lanche e botar os papos sobre as Lourdinas ou os garotos da cidade em dia. Dava outra carreirinha e visitava Tia Margarida, para satisfazer meus anseios familiares, ver as primas, e saber do que acontecia naquela família tão grande. À tardinha, podia ir na casa de Dina (hoje Dra. Enedina, dermatologista ), ou Dalvinha (amiga da minha mãe), ou ainda Fátima Barros (amiga de sala), ou pegava minha bike para algum lugar mais longe. Conversávamos sempre.

Já mais tarde, e morando no meu canto, vim conhecer a maravilha de um telefone. Que luxo, poder ligar para as pessoas, papear, combinar, etc e tal. Até hoje, sou apreciadora de falar nesse aparelhinho. Aliás sou apreciadora da conversa. E, interessante notar como até nesse quesito, as diferenças de gênero se fazem presente. Homem que gosta de conversar é articulador, mulher que faz a mesma coisa é tagarela! Vejo cotidianamente os homens criticarem duramente as mulheres que gostam de falar. Pois nesse caso, falar pode ser um poder, poder esse negado historicamente às mulheres. E até hoje, convivemos com os resquícios dessa negação.

E aí chegamos na era do computador. Lembro que na década de 80, estudando na Inglaterra, o meu grande deslumbramento, afora às estações do ano e os tons amadeirados do outono , era a presença de um Word Processor à minha disposição. Eu, que havia datilografado minha tese de mestrado numa máquina portátil pequenina Remington, com carbono azul e corretivo, estava diante de algo que fazia muito mais do que imaginava uma máquina a fazer.

Anos depois lá estava eu com um computador em casa. E, sendo ele o meu Big Brother particular, ninguém queria saber mais de ninguém. Todos só queriam saber de decifrar essa nova esfinge da (pós)modernidade….Confesso que, tive e tenho dificuldades até hoje. Sou uma mulher do século passado, e as máquinas me são bem-vindas, mas não tenho paciência para com elas. Minha inteligência e raciocínio são voltados para outras subjetividades, que hoje estão se perdendo ao vento. Já me sinto uma outsider, mas do que antes. Uma outsider digital, e consequentemente para todo o resto. Ontem fui participar de um workshop do trabalho, plataforma Moodle, ensino à distância. Uma maravilha! O professor poder ter uma sala de aula virtual, planilhas, atividades, links, sites, tudo em sintonia com tantos alunos forem necessários. Mas, tudo é uma linguagem que requer intimidade com a máquina e toda uma forma de pensar que além de uma curiosidade específica, exige um espírito destemido frente aos botões. E eu tenho medo de botões. Identifico-me com Charles Chaplin nos seus Tempos Modernos. E sofro! Sofro porque também me reconheço como uma mulher dos tempos modernos. E aí vem a referência com o verbo conversar. E paradoxalmente, a minha conversa me levou a ser blogueira, a gostar de falar em listas (Coisa de mulher, lista com irmãs, com amigas). Falar do cotidiano; comentar vida; o mundo; a moda; comportamento; muitos assuntos, e tantas coisas….Sinto-me perfeitamente inserida nesse mundo pequeno onde tudo repercute. E, embora ainda esteja engatinhando no Twitter, já fico filosofando pelo que vejo. Pessoas que antes, tinham dificuldade de falar do seu dia a dia, hoje se esbaldam no twitter. O que é isso? Um brinquedo onde as pessoas falam e falam e falam em 140 caracteres, dizendo que foram, viram, venceram, chegaram, perderam, dormiram, um diário pequeno e monossilábico. Talvez o segredo esteja aí: Ser monossilábico, atraem principalmente os homens (William Bonner, Luciano Hulk, e mais outros): Lula falou isso! Dilma blogou Norma Benguel!!; Ciro não vai mais: Maranhão chegou ontem; Alice não mora mais aqui!; A lua encheu; a maré secou e assim por diante. Acho que as mulheres sempre se encantaram com os diários, seja como forma de registro ou como forma de transcender à solidão. E agora os homens estão in love com essa possibilidade espetacular de escrever diário impessoal, em dois toques. E sem falar na vaidade que isso demanda também. Não deixa de ser uma forma de deixar os meus rastros, minhas pegadas pelo dia , disseminando olhares voyeur às minhas horas cotidianas. Tenho pensado sobre o assunto: máquinas, conversas e toques!

E os domingos hoje acontecem mais ou menos assim: Cada um por si e Deus por todos. Cada qual no seu computador, falando com o mundo inteiro sobre as geleiras, sobre o vulcão na Islândia, sobre a propagação da gripe H1n1, sobre a receita do Ministro da Saúde, de que precisamos fazer mais sexo para controlar a pressão arterial; sobre as pesquisas eleitorais para presidente; sobre a irritação de Luciano Cartaxo; sobre sobre sobre….e não temos tempo de: visitar um amigo, namorar, trocar idéias com familiares, passear; sentar juntos à mesa; ou no terraço para prosear sobre os acontecimentos desses mesmos assuntos. Lembro com profunda nostalgia, dos almoços no sábado na casa da minha mãe, onde depois da sobremesa, todos íamos para o terraço falar de tudo, falar de nada. E os assuntos borbulhavam como bolhas de champanhe, ou de sabão. Mas brindavam-nos com conversas prosaicas.

Hoje, existe um abismo quase intransponível entre o que fazemos em rede e o que fazemos em casa. A cada dia, nossas vidas acontecem virtualmente. E essa é a nossa vida como ela é de hoje! Na telinha. E , para sair dela, e tomar qualquer atitude, tudo demanda esforço, movimento. Aquilo que antes acontecia com fluidez, como parte do dia, hoje é programado, exigido, reclamado. É bom? É ruim? As duas coisas, e as conseqüências disso, já não me cabe discutir. Os estudos estão aí. A solidão da terra devastada de T. S. Eliot preconizando a ficção moderna está mais que atualizada. Só que hoje, o homem está solitário e ciscando de felicidade com seus brinquedinhos. Até o sexo que Temporão medicou, já podemos fazer sozinhos/as e assustadoramente nos afastamos dos sentidos, da sutileza das coisas, do convívio com as pessoas, dos toques, dos olhares, dos cheiros, e das tagarelices de corpo presente.

Mas, Twittar é preciso!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa 2 de maio 2010


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