Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

De Livros, Leituras & Crônicas


25/04/2017

Foto: autor desconhecido.

Para Zezita Matos

As bibliotecas deviam ser declaradas da família dos aeroportos, porque são lugares de partir e de chegar.

Depois da leitura de muitos livros pode ficar-se com uma inteligência admirável e a cabeça acende como se tivesse uma lâmpada dentro….Os leitores mesmo inteligentes aprendem a ler tudo, até aquilo que não é um livro. Leem claramente o humor dos outros, a ansiedade, conseguem ler as tempestades e o silêncio, mesmo que seja um silêncio muito baixinho. Alguns leitores, um dia, podem aprender a escrever. Aprendem a escrever livros. São como pessoas com palavras por fruto, como as árvores que dão maçãs e laranjas. Pessoas que dão palavras. (Valter Hugo Mãe)

No último dia 10 de abril, à convite da atriz e educadora paraibana Zezita Mattos, fui a um evento no Unipê , fazer um pequeno lançamento dos meus livros e já que estávamos em abril, mês que tem os dias 18 (Dia Nacional do Livro Infantil) e dia 23 (Dia Mundial do Livro), e que a Instituição estava lançando um Clube de Leitura, fui lá falar um pouco de pingos desses assuntos. E também apresentar meus livros de crônicas Brincos pra que te quero? e De paisagens e de outras tardes.

Coletei pedaços de textos de leituras mais recentes/ou não, rascunhei, recortei, colei, e fiz assim meu guia para o que iria falar: Leitura, livros, crônica e apresentar meus livros. Divido com vocês:

Comecei falando da importância da leitura, e citando Virginia Woolf, como o seu texto “Como se deve ler um livro? Capítulo de O leitor comum, de onde retiro algumas citações :“Biblioteca – que é esse lugar único? Conglomeração, amontoado de coisas confusas. Poemas e romances, histórias e memórias, dicionários e relatórios; livros escritos em todas as linguagens por homens e mulheres de todos os temperamentos, raças e idades apertam-se uns aos outros na estante. E lá fora os asnos urram, as mulheres fofocam em torno da bomba d´água, os potros galopam pelos campos. Onde, estamos? Como traremos a ordem para este fabuloso caos e então conseguir daquilo que lemos o prazer mais vasto e profundo?”

“Escrever? Perigos e dificuldades das palavras. Evoque, portanto algum acontecimento que lhe tenha deixado uma impressão especial – como, numa esquina, quem sabe, em que você passou por duas pessoas que conversavam. Uma árvore agitava-se; a luz elétrica tremeluzia; o tom da conversa era cômico, mas também trágico,; uma visão completa, uma ideia intergral parecia contida….” bem típico de Woolf, pensar nas tantas impressões dos instantes, imensuráveis do cotidiano de cada um. E que tudo vale à pena observar: “Mas ao entregar aos encantos da leitura de certas tolices você pode se surpreender, ser deveras conquistado, pelas relíquias de humanidade que foram banidas do que se considera modelo. Pode ser uma carta – mas que perspectiva descortina! Podem ser algumas frases – mas quanto sugere!”

Depois ainda com Virginia, ilustrei meus pensamentos com o livro O sol e o Peixe, e o texto – “A paixão pela leitura”. E Woolf comenta: “Durante a leitura, novas impressões estão sempre anulando ou completando as velhas. Deleite, raiva, enfado, riso se alternam, enquanto lemos sem parar. O julgamento fica em suspenso, pois não podemos saber o que está por vir. Mas agora o livro acabou. Tomou uma forma definitiva. E o livro como um todo é diferente do livro há pouco absorvido em variadas e diferentes partes. Ele tem uma forma, ele tem um ser….Eles (os livros), estão ali, penduradas no armário da mente – as formas dos livros que já lemos, como roupas que tiramos e penduramos à espera da estação adequada…A real razão continua inescrutável – a leitura nos dá prazer. É um prazer complexo e um prazer difícil; varia de época para época e de livro para livro. Mas ele é suficiente. Ler mudou, muda e continuará mudando o mundo.”

E por entre livros, peixes, e contos, como não mencionar Clarice Lispector e seu conto delícia – Felicidade Clandestina? Conhecem? Perguntei aos alunos. Já se viram em situação semelhante?

Não poderia deixar de mencionar tão pouco, filmes que tiveram seus enredos e conflitos a partir de livros, como no caso de As Horas (e o romance Mrs. Dalloway) e Balzac e a costureirinha chinesa (tempos sombrios na China rural, onde tudo cabe na imaginação e nas viagens através das estórias de Balzac). Como escrevi textos sobre esses dois filmes, pincelei frases, comentários e referências em mim mesma.

De Adriana Falcão – também defini livro, leitura e outras palavrinhas mágicas. “ Ler = ter o poder de viver outras vidas sem precisar nem sair da cama”

De Marguerite Duras, a frase: “Escrever é um ato selvagem.”

E finalmente, de Valter Hugo mãe, com seu livro, Contos de cães e maus lobos, que tem no último conto do livro, “Biblioteca” , toda a poesia de que precisava para falar dos temas sobre livros. Lembrando sempre dos amigos André Ricaro Aguiar, (uma traça querida, e que está sempre in Love com seus livros, frases, capas, autores, estórias) e Lu Damasceno (igualmente traça e que se apaixona pelos livros todos dela).

E o autor português com nome de mãe, filosofa! Transcrevo aqui algumas ideias pelas quais fiquei embevecida:

“Os livros são parentes directos dos aviões, dos tapetes-voadores ou dos pássaros. Os livros são da família das nuvens, e como elas, sabem tornar-se invisíveis enquanto pairam, como se entrassem dentro do próprio ar, a ver o que existe para depois do que não se vê.”

“O leitor muda para o outro lado do mundo ou para outro mundo, do avesso da realidade até ao avesso do tempo Fora de tudo, fora da biblioteca. As bibliotecas não se importam que os leitores se sintam fora das bibliotecas.”

“Os livros são também toupeiras ou minhocas., troncos caídos, maduros de um a longevidade inteira, os livros escutam e falam ininterruptamente. São estações do ano, dos anos todos, desde o princípio do mundo e já do fim do mundo. Os livros esticam e tapam furos na cabeça. Eles sabem chover e fazer escuro, casam filhos e coram, choram, imaginam que mais tarde voltam ao início, a serem como crianças. Os livros tem crianças ao dependuro e giram como carrosséis para as ouvir rir e para as fazer brincar.”

“Podemos pensar que abrir e fechar um livro é obrigá-lo a pestanejar, mas dentro de um livro nunca se faz escuro.”

“As Bibliotecas só aparentemente são casas sossegadas…Porque elas são como festas ou batalhas contínuas e soam canções ou trombetas a cada instante.”

“As pessoas que se tornam leitoras ficam logo mais espertas, até andam três centímetros mais altas, que é efeito de um orgulho saudável de estarem a fazer a coisa certa. Ler livros é uma coisa muito certa. As pessoas percebem isso imediatamente. E os livros não têm vertigens. Eles gostam de pessoas baixas e gostam de pessoas que ficam mais altas.”

Da minha pasta, adicionei outros textos, que costumava dividir com meus alunos de literatura no primeiro dia de aula- “A arte de ler se pode aprender, de Eliane Cardoso: “Quem não sabe ler vive na prisão pequenina de si mesmo. Mas o bom leitor tira a própria pessoa do caminho e dá passagem ao outro. Olha, Escuta. Rende-se”. Também o texto “Entre a realidade e ficção”, de Tatiana Salem Levi: “Por mais que o escritor se transforme em seres estranhos e se desloque por épocas desconhecidas, o texto que ele produz passa sempre por ele, pelo seu campo de conhecimento e, ainda mais, pelo seu corpo.”

Claro que o meu roteiro não foi um roteiro muito rígido (nem poderia, uma vez que sou do mundo da lua e vivo a dobrar esquinas), e que vou alinhavando, costurando, dando voltas, fazendo digressões, comentários, ouvindo, perguntando, e deixando o novelo fluir.

Já nesse momento, comecei a falar da crônica. E ninguém melhor para defini-la como Rubem Braga: “ Há homens que são escritores e fazem livros que são verdadeiras casas, e ficam. Mas o cronista de jornal é como o cigano que toda noite arma sua tenda e pela manhã a desmancha, e vai.”

Os alunos eram poucos e de áreas da saúde. A Unipê já não tem mais o curso de Letras – uma pena!, mas fui logo citando alguém que fundou cadeiras de Literatura em cursos de Medicina. Tratar o doente quando se estuda literatura, aumenta nossa capacidade de humanidade. José Eduardo Agualusa, também tem um texto “ A cura pela palavra”, que reflete sobre os “remédios” da poesia.

Para falar mais da crônica, me referi a José Castello e as suas “ As feridas de um leitor” e seu capítulo – “Crônica , um gênero brasileiro”. Uma delícia de passeio sobre isso que tento escrever. E Castello reflete, tento resumir: “Crônica, um gênero menor? Literatura ? Jornalismo? Desconfiança? Registro documental? Espaço fronteiriço? Vida cotidiana? Lugar de risco, lugar que está onde não deveria estar, invenção ou simples fotografia da existência? Coisa séria ou puro entretenimento? Confissão? Poesia? Ficção? Ensaio? Não? Crônica?”

“Crônica – radical liberdade, sem compromisso com nada, imaginação. O cronista não precisa brilhar, nem ultrapassar, nem surpreender, ou chocar, ele só deseja a leveza da escrita. O cronista pode ser informal, ligeiro, dispensar a originalidade, pode tudo. Pode falar de si, dos fatos, da memória, confessar-se , desabar, mentir, falsificar, imaginar, acrescentar, censurar, distorcer…E assim fica o cronista, um cigano, um nômade a transitar, um errante!

Ao terminar, com as poucas pessoas e aquele ar de que gostaram e trocaram comigo experiências, findamos a conversar. Mostrei meus Brincos…, e minhas Tardes…, e fui embora com a sensação que tinha celebrado os dias dos livros.

Obrigada Zezita!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa , 23 de abril 2017
 


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