Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

DE BOBBIO E DE OUTRAS PERDAS


10/01/2004

Foto: autor desconhecido.

Desde pequena que tenho uma ligação grande com os artistas e até mitos. Não era preciso ser nenhum pensador, ou filósofo clássico. Contentava-me com figuras da TV e principalmente do cinema. Lembro bem de quando morreu Marylin Monroe (que nunca vi um filme sequer). Era bem pequena e chorei a sua morte comungando pela sua alma na missa do Domingo. A partir dessa `perda´ todo artista que morria comungava por ele, como se fosse alguém muito meu conhecido. Mania de celebridade? Fã mais acirrada? Talvez, ou então um simples fascínio pelo artista em si, pelo indivíduo que se reverencia pela fama ou notoriedade.

Mais adiante veio Elis Regina, que chorei de um tudo ao som de `Atrás da Porta´ como quem perde um ser amado, e era verdade. John Lennon fiquei de rosto inchado, no pé da tv, a cantar `Imagine all the people´, e todo Natal ainda choro quando ouço `So this is Christmas´. Claro que como boa telespectadora chorei muito também com Airton Senna, com a princesa Diana então foram dias de chororô. Ficava a lembrar das fotos lindas de Diana com os filhos, e haja choro! Acho que toda mãe não suporta ver outra mãe morrer. É a chamada sisterhood das mulheres e das mães.E no caso de Diana, ainda tinha a fantasia, pois se tratava de uma princesa. Até escrevi crônica em sua homenagem. Comungar já não comungo, pois depois que saí da infância, aquele ritual na capela do Pio X já não fazia sentido, pelo menos pelas almas dos artistas queridos. IH! A lista é grande! Fellini, Marcelo Mastroiani, George Harrison, etc….

Hoje, Sábado, tomei um susto de tristeza ao ler a notícia da morte de Norberto Bobbio, outro da minha lista. Ouví falar desse homem através do meu companheiro, Júlio, que tem em Bobbio o seu `artista´, e criei uma `amizade´ ao ponto de toda hora quando conversávamos sobre o filósofo, chama-lo de `Bobbito´, imaginem quanta intimidade! Nunca li seus livros de filosofia política, nem tenho autoridade para avaliar a sua perda, mas li sim o seu livro `O Tempo da Memória´, um presente de Natal `mal intencionado´ e já me senti íntima…Sem falar que ele reconhecia na revolução das mulheres, movimento dos mais importantes do século XX . Hoje, olhando sua foto na Folha de São Paulo, fiquei emocionada com o seu rosto tão severo, olhos já descrentes, vincos profundos, mais um símbolo de um século XX que já passou, e mais uma das minhas perdas. Muito me chamou a atenção quando ele confessou que `sua vida pública foi monótona, sem que nela nada acontecesse, salvo na vida privada, que valesse a pena ser contado…´ Se a vida pública de Bobbio foi monótona, imagine as nossas, pobres mortais! Quase sempre, a vida pessoal muito me instigou, e ouvir isso de `Bobbito´ é um referendo para ter a certeza de que os almoços de Domingo podem ser a essência do que levamos dessa vida…Prosaico não? Mas o que é a vida, senão uma boa prosa? A filosofia é em sua homenagem Bobbio!

Hoje, acordei chorando por Norberto Bobbio, e até me deu nostalgia do meu tempo de criança, quando com certeza na missa, a minha comunhão seria pela sua alma, que ele nem acreditava ter uma.


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