Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Política

Basta de semideuses


22/05/2024

Perseu foi o responsável por decapitar a Medusa (Foto: Reprodução)

Em um dos seus famosos poemas, Fernando Pessoa diz: “Arre! Estou farto de semideuses”. Impressiona como tem indivíduos que não reconhecem seus defeitos e fraquezas e se acham seres humanos perfeitos. Não percebem o quanto as posturas de arrogância que apresentam se tornam ridículas. Costumam propagar suas virtudes, sem perceber que assumem um caráter desprezível e indecoroso.

O que nos deixa tristes é constatar que a sociedade da hipocrisia coloca-os num pedestal de admiração, como se fossem figuras com dons divinos, em que pesem as demonstrações de comportamentos nem sempre adequados do ponto de vista moral. São pessoas narcisistas por natureza, alimentados por um sentimento de superioridade, insistindo em valorizar a própria imagem. Têm dificuldade em serem receptivos a críticas. A vaidade do que imagina ser ou poder, ultrapassa os limites da razoabilidade. Pensam que estão acima da linha do bem e do mal.

Egos inflados, não conseguem orbitar fora do mundo das celebridades. Sobrevivem no abuso de autoridade, no assassinato de reputação daqueles que elegeram como inimigos e no assédio judicial quando investidos de autoridade para tal. Não admitem adversários com chances de tirar deles o poder. Têm o sentimentalismo dos tiranos. Super estimam a si mesmos, suas habilidades e seus direitos. São alimentados por uma necessidade excessiva de admiração externa, elogios e reconhecimento.

Nesta semana assisti pela TV um desses discursos messiânicos, produzido pelo ex-procurador e deputado federal cassado, Deltan Dallagnol, ao conceder uma entrevista coletiva sobre a perda de mandato decidida por unanimidade pelo TSE – Tribunal Superior Eleitoral. Citando várias vezes a Bíblia, chegou a se comparar com Jesus Cristo. É, sem dúvidas, um exemplo bem adequado dessas personalidades que se julgam semideuses.

Não foi a primeira vez que ele se comparou a Jesus. Em 2018, quando trocava mensagens com seus colegas procuradores, integrantes da Lava Jato, já dizia: “Tenho apenas 37 anos. A terceira tentação de Cristo no deserto foi um atalho para o reinado. Posso traçar plano focado em fazer mudanças e que pode acabar tendo como efeito essa porta aberta”. Declaração típica de quem se acha recebendo uma missão divina.

Nessa troca de mensagens, essa condição de semideus era estimulada pelos colegas, como se vê, numa afirmação da procuradora Luciana, do Distrito Federal: “Confio plenamente que Deus o guiará em todos os caminhos. Você ouvirá a voz d’Ele e te colocará onde Ele precisa para que possas continuar no caminho da restauração desta Nação. Deixa Deus te guiar e Ele saberá exatamente onde você deve estar”. Como se a palavra de Deus coincidisse com os objetivos de Deltan Dallagnol.

Em uma palestra na Igreja Batista da Tijuca, em 2015, Dallagnon afirmou: “Dentro da minha cosmovisão cristã, eu acredito que existe uma janela de oportunidade que Deus está dando para mudanças”. Acreditava, piamente, que era um dos escolhidos de Deus para essa missão. Quando da prisão de Lula, ele declarou: “Estarei em jejum, oração e torcendo pelo país”. Pratica um messianismo de caráter iníquo.


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