Rômulo Polari

Professor e ex-reitor da UFPB.

Geral

AUGUSTO DOS ANJOS ALÉM DO EU


04/06/2012

Foto: autor desconhecido.

            Augusto dos Anjos e sua Época. Livro escrito por Humberto Carneiro da Cunha Nóbrega originalmente publicado no ano de 1962. O autor foi um dos criadores, em 1950, na cidade de João pessoa, da Faculdade de Medicina posteriormente incorporada à Universidade Federal da Paraíba, no seu processo de federalização, em 1955. Foi professor dessa universidade, por muitos anos, e seu Reitor, no período 1971-1974.

            Este ano de 2012 marca dois centenários importantes para os paraibanos: o do EU, a obra magistral do poeta maior da Paraíba e um dos maiores do Brasil, e o do nascimento de Humberto Nóbrega. A UFPB se integra às comemorações dessas datas memoráveis, participando do I Congresso Nacional de Literatura, EU: Cem Anos de Poesia, e publicando a 2ª Edição do livro Augusto dos Anjos e sua Época.

            Essa publicação é muito bem-vinda para os estudiosos e admiradores de Augusto dos Anjos. A obra ganhou uma feição contemporânea, à luz da Nova Ortografia da Língua Portuguesa, de 2008, da revisão datilográfica e da correção, no texto atual, das Erratas colocadas pelo autor no início da versão original do livro. Tudo isso foi fruto do trabalho sério, dedicado e muito competente das organizadoras desta reedição: Maria do Socorro Silva de Aragão, Neide Medeiros Santos e Ana Isabel de Souza Leão Andrade.

            Neste primeiro centenário do EU, é impressionante o alto e contínuo interesse da comunidade acadêmica e intelectual brasileira e mundial pelo legado literário de Augusto dos Anjos. Muitos estudiosos de Augusto tendem a confundi-lo com essa sua obra. Embora reconhecendo os seus méritos intelectuais e criativos, não raro, o concebem como o poeta da dor e da tristeza, profundamente pessimista e incrédulo. Desmitificando essa visão de um poeta absolutamente desencantado com a vida social e humana, Humberto Nóbrega brindou os pesquisadores e o público leitor com a revelação de "um outro Augusto bem diferente: crédulo, alegre e chistoso, inspirado em motivações do belo e do jucundo" (…).

            Humberto, após exaustiva pesquisa sobre cartas e outros documentos escritos por Augusto dos Anjos, concentrou maior atenção à vasta atuação do poeta no NONEVAR. O NOVENAR foi um jornalzinho que, nas primeiras décadas do Século XX, era exclusivamente publicado nos dias da Festa das Neves, em louvor à padroeira da capital da Paraíba. A sua motivação estava estampada na sua primeira página, com a seguinte autodenominação: "Órgão do Amor, da Graça e da Beleza". Essa missão foi cumprida com um conteúdo cheio de verve, humor, sátira, epigramas, perfis e louvaminha às mulheres.

            O EU de Augusto dos Anjos é uma obra artisticamente revolucionária, rigorosa e inovadora. A sua poesia, embora herdando elementos formais do parnasianismo e do simbolismo subverteu-lhes o conteúdo, com versos impregnados da mais crua realidade. É por isso que ela se mantém viva, na categoria de obra clássica. Essa criação poética de Augusto foi densamente influenciada pelos seus sólidos conhecimentos sobre os avanços da ciência e filosofia da sua época.

            Desse modo, o EU poeticamente criado por Augusto dos Anjos é naturalmente marcado pela finitude, irracionalidade e inexpressividade. Nele estariam os aspectos angustiantes históricos básicos da humanidade. A vida humana é entendida como sendo a síntese de um processo contínuo de degeneração rumo à morte. No plano social, o ser humano seria impulsionado por uma cadeia sem fim de vontades insatisfeitas, impondo-lhe o sofrimento existencial contínuo. Trata-se, claramente, de um EU que não é ele – Augusto – e sim um ser transcendental historicamente matizado pela contemporaneidade da última década Século XIX à primeira do Século XX.

            O Augusto dos Anjos do EU foi, portanto, um poeta que interpretou para o mundo os sentimentos profundos do ser humano na sua existência física e social cotidiana, histórica, local e universal.  O Augusto do NONEVAR, revelado ao mundo por Humberto Nóbrega, foi um poeta, cronista, relator e polemista de uma realidade social, cultural restrita e datada.

            Humberto relata com apreciável qualidade literária a participação intensa de Augusto dos Anjos na Festa das Neves da primeira década do Século XX. "Como qualquer mortal o poeta compareceu às novenas. Perambulou pelas calçadas onde os divertimentos se apresentavam. Frequentou os bares improvisados. Observou. Inspirou-se. Colaborou nos jornalzinhos. Descreveu com minúcias a própria festa, com suas lendas e seus encantos; foi seu cronista social. Pilheriou. Fez perfis. E foi perfilado. Compôs quadras para anúncios comerciais".

            Enquanto pensador, artista e poeta, o Augusto dos Anjos do NONEVAR foi o mesmo do EU. O que mudou foi o alcance, e não a relevância, por ele dedicado à sua capacidade criativa, diante das realidades que inspiraram os seus trabalhos intelectuais, nos dois casos.

            Sob o ângulo da necessária interpretação mais integral de Augusto dos Anjos e sua obra, Humberto Nóbrega, com a edição original deste livro, em 1962, acertou em cheio: "O prisma precípuo de minha apreciação sobre Augusto é o seu humorismo. Não se me afigura jactância afirmar que, sob este ângulo, a crítica ainda não o visualizou".

            Em se tratando de Augusto dos Anjos, essa capacidade de também fazer humor ratifica o seu espírito artístico superior. A sua atividade criadora, dependendo da sua   motivação inspiradora, funcionou com o mesmo elevado padrão de qualidade artística para expressar os mais variados sentimentos humanos. Isso não significa dizer que o artista, ao assim fazer a sua arte, estivesse revelando a sua maneira de ser ou da sua personalidade. Mas, seguramente, revelou a sua completa condição humana que, como a de qualquer pessoa, é marcada por momentos ou teores distintos da desventura e ventura humana.

            A republicação de Augusto dos Anjos e sua Época é de grande importância  artística e cultural. O livro renasce com nova forma material e atualização do seu primoroso conteúdo, bem escrito com elegância e clareza.  Os interessados e estudiosos da poesia de Augusto dispõem de novos horizontes à interpretação de sua obra e biografia. Este livro certamente tem futuro longo e promissor. Até por que se vincula ao genial poeta paraibano que, sem dúvida, terá muitos séculos ativos e fecundos de vida acadêmica, intelectual e literária.


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