Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Paraíba

Apostando no cansaço da quarentena


10/08/2020

O historiador, produtor cultural e advogado Rui Leitão

Todo mundo sabe que uma quarentena prolongada causa a “fadiga do cuidado”. Os negacionistas, sob a liderança do chefe da nação, estão apostando nisso, para estimular o relaxamento nas precauções de segurança recomendadas pela ciência e a medicina. O alarme do perigo passa a ser desconsiderado, numa adesão ao discurso de minimização da tragédia sanitária proclamado insistentemente. Boa parte da sociedade tende a achar normal o número crescente de mortes provocadas pela covid-19. Afinal de contas, “é preciso tocar a vida”, como diz o presidente, “muitos vão morrer, isso é a lei natural da vida. Quem nasce, um dia vai morrer”, tem ele afirmado com a maior naturalidade.

Usar máscaras e fazer o isolamento social tem sido colocado como irrelevantes no combate ao coronavírus. O estímulo a que se volte a viver a normalidade da vida cotidiana começa, lamentavelmente, a ser aceita por muitos, na imaginação de que tudo isso não passa de uma “gripezinha”, mesmo que já tenhamos mais de cem mil mortes e mais de três milhões de infectados. Um comportamento de insensibilidade coletiva ganha praticidade. A empatia, sentimento tão importante no exercício da solidariedade humana, já não desperta o coração de muita gente.

Não temos o direito de não gostar das regras estabelecidas para nos preservar do contágio epidêmico. Até porque a desobediência a essas regras não atenta só contra a nossa saúde, mas pode produzir danos à saúde de outros que convivem conosco no dia-a-dia. É indispensável que não percamos a onda de conscientização a que fomos motivados nos primeiros dias da pandemia, abandonando a decisão de controlarmos a nossa própria saúde e a das pessoas próximas. Furar o isolamento social e ignorar os protocolos de segurança, não são atitudes responsáveis, ainda que teimem em nos induzir à ideia de que a doença não é tão maléfica quanto a ciência e a medicina nos advertem.

A sensação de medo ao desaparecer, nos deixa anestesiados quanto à percepção da realidade crua que não queremos acreditar, por puro cansaço da quarentena. Não bastasse o convite à desobediência aos regramentos determinados, aparecem os “curandeiros”, prescrevendo remédios que cientificamente não apresentam qualquer comprovação de eficácia na cura da doença. Essa displicência pode ter efeitos suicidas.

O menosprezo à letalidade do coronavírus e a recusa em articular um plano nacional de enfrentamento à moléstia, deixam todos nós à mercê da sorte. E seria muito pior se não fossem alguns governadores e prefeitos que, corajosamente, e com a autorização do STF, resolveram adotar medidas de proteção da população. Dar ouvidos a quem classifica esse surto sanitário como um exagero, é apoiar uma necropolítica e desdenhar da montanha de mortos que cresce a cada dia.

Como enfrentar essa crise sem um governo que com ela se preocupe? Nem ministro da saúde temos há mais de três meses. Estamos entregues a dezenas de militares que ocuparam os gabinetes do ministério da saúde, sem qualquer formação acadêmica na área de saúde. Me estarrece ver indivíduos, entre eles autoridades de governo, não derramando uma lágrima sequer pelas mortes de tantos brasileiros. Estamos sendo atacados também por um surto de desumanização. A ignorância e o desamor produzindo frieza comportamental, que revela transtorno de personalidade. Esse é o grande objetivo dos que se dedicam ao aproveitamento do cansaço da quarentena que tem nos afetado. CONTINUEMOS EM CASA E USANDO MÁSCARAS AO SAIRMOS POR NECESSIDADE.


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