Ana Adelaide

Professora doutora pela UFPB.

Geral

Anotações de Poesia


20/12/2016

Foto: autor desconhecido.

Quando menina, não era daquelas alunas que sentavam na frente. Gostava do meio. Para me distrair deliberadamente das aulas . E pensar no sonho. Voava pela janela. Pensava em outras coisas para além da Escola. Difícil concentrar quando se tem pouca idade. As outras coisas importam mais que raiz quadrada ou oração subordinada.

Mas, depois, tomando gosto pelos estudos, já na graduação, aprendi a sentar na frente, justamente pela dispersão que faz parte do meu ser. Na frente sou tomada (ou não!) pelo som embriagante de quem fala. E, ao invés de me dispersar pela janela, viajo no assunto, no tom do falante, e na instigante atividade de aprender.
E tenho feito isso vida afora. E não só em aula. Ando com bloquinho/caderno na bolsa, e a tudo quero anotar. Como se quisesse anotar o mundo! E como não cabe, fico a pensar alto, a falar ao vento, etc e tal. Minhas estantes são cheias de cadernos e notas, e muitas dessas notas, são meus arquivos também para minhas aulas, ou para as crônicas.

Não sou conhecedora de poesia como deveria, mas gosto de me espantar com elas. E gosto mais ainda de ouvir os poetas.
Em Agosto de 2006, por ocasião do Congresso da Abralic (Associação Brasileira de Literatura Comparada), no Rio de Janeiro, tive o prazer de assistir a muitas coisas. Mas a melhor foi a palestra de encerramento, formada por uma mesa de peso da poesia, com Antonio Carlos Sechin, Ivan Junqueira e Ferreira Gullar. Lembro que minha mão e minha caneta não conseguiam anotar tantas coisas interessantes desses três mestres da poesia, crítica, e da literatura em geral. E correndo contra os dedos, anotei tantas palavras.

Por ocasião da morte de Ferreira Gullar recentemente, fui procurar meu caderno e logo logo achei. E parecia vê-lo com sua figura lânguida e de cabelos compridos a balançar, e a ouvi-lo dizer: “Compreende?” Eu te responderia: “Compreendi muito!” E fiquei fascinada em ouvi-lo sobre o processo de criação do Poema Sujo.
Como as notas estão caóticas, como o meu próprio punho se perdia, faço aqui o meu próprio pastiche, com as falas desses três, para lembrar a Poesia em geral e Gullar em particular. Divido com vocês minhas anotações de Poesia:

Abralic Agosto 2006- Antonio Carlos Sechin

Poesia é sempre depois. Poeta é operário da palavra. O alvo? O incerto. A sina, aceitar no que intui. Grande poema – reordenar o mundo para que existam nomes demais. Uma quarta margem!

Poesia, animal sem vísceras. Obra de Arte – desafia o fim do mundo. Poesia? O imponderável, um hóspede invisível, um vestígio de sua passagem = poema. Poesia – sem rosto. Poeta, a estranheza e solidão!

Poesia é um baixo falante, que tenta apreender os ruídos do mundo. Sensibilidade de cada um. O poeta, uma ilha cercada por poesia de todos os lados. Poeta, escuta feito voz, variações de espanto, e o desafio do artista é não se ater à homogeneização, nem um boneco da própria voz, clausura da sua libertação.

O poeta é menos sábio que seu texto. O poema sabe o que o poeta diria, escrevo sobre aquilo que pensava que sabia- Poesia do desconhecimento, não se localize na reiteração da forma, sem fórmulas! Um experimento, em oposição à adesão. Dois poetas juntos é um complô. Três já é uma Academia!

Toda linguagem é vertigem! “me aprendo em teu silêncio, feliz com um portão azul”

Falar é tatear o nome do que se afasta! Cultivar o deserto como um pomar às avessas. João Cabral.

O que fazer com um fim de uma paixão?

Tiro você da vida
E boto você no poema

Paixão e Alpinismo – céu e abismo! Paixão e astronomia é ver estrelas à luz do dia. Um amor antigo e matemática.1cm de Poesia, 10 k de prosa!

Ivan Junqueira:

Poesia é um mistério que escorrega entre os dedos. Seria uma hesitação lancinante entre o som e o significado. Uma hesitação entre uma coisa e outra. A Poesia não pode se confundir com a espontaneidade da Natureza. O poema é uma construção , numa certa medida se fabrica, com dor. Uma intuição mais a exigência da arte poética. O pessoal , o mecanismo metabólico, uma herança da voz própria.

O Modernismo de 22 – Era preciso olhar para o país em que vivíamos! 1930- Período decisivo para a poesia brasileira, distensão da linguagem e ritmo. Bandeira, Drummond, Jorge de Lima, Vinicius. Geração de 45. Geração 60- poetas desgarrados. Uma preocupação – já tinha sido feito tudo, as vanguardas.
Poesia hoje? Um enigma! Qual a poesia do futuro?

Ferreira Gullar:

Quando Ferreira Gullar começou a falar, e falou por último, não conseguia anotar o que dizia. Fiquei fascinada pelos seus cabelos longos e brancos, pelo seu rosto marcante, seus gestos, mais doçura, mas, principalmente pela forma como falava. E claro, preferi ouvi-lo do que anotar. Mas ainda assim, por entre rabiscos , sons, e fragmentos da poesia, ou do fazer poético, restou palavras, palavras, palavras!

Poesia nasce como toda arte – Pastiche. Você percebe a coisa com o seu saber, vê a vida em decassílabo. Agora era eu e o mundo, sem a linguagem. Via as peras, via o galo e me deparava com o estranho , o contrário do parnasiano.

Não posso escrever da forma de como eu domino. Cada poema era outra forma.A linguagem tinha que nascer com o poema, a linguagem envelhecia o que eu queria dizer! Como os restos de um incêndio; luta corporal, desencadeou a Poesia Concreta, buscar um novo verso, não buscar uma nova sintaxe, já desintegrada. Nova sintaxe? Visual, disposição visual das palavras, sem discurso, lei da proximidade e semelhança. O caminho? Desintegrou a linguagem.
Concretismo – experiência fenomenológica, equação matemática concretista.

O Poema Sujo – no exílio – vomitar o Poema – Sozinho. O som U – como se fosse a última coisa, sem passaporte, na argentina, os amigos sumindo.

A poesia nasce do espanto, como o cheiro de tangerina! A própria vida faz a poesia – a matéria da própria existência.
Depois de ouvir esses poetas a conversar sobre Poesia, saí do Hotel da Glória, olhando para o Pão de Açúcar e pensando:

…E Feliz Natal e Um Ano Melhor em 2017!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa dezembro , 2016
 


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