Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Brasil

A morte que incendiou o Brasil


28/03/2020

Texto publicado na edição de hoje do jornal A UNIÃO

Há exatamente cinquenta e dois anos, num final de tarde, alguns estudantes planejavam uma passeata programada para o dia seguinte, exigindo melhorias nas condições de higiene do restaurante Calabouço, localizado no Aterro do Flamengo, quando policiais invadiram o local usando da violência. Os estudantes secundaristas que diariamente jantavam ali, foram surpreendidos com o ataque e tentaram se defender reagindo com o arremesso de pedradas. Foi o suficiente para que disparassem vários tiros contra eles.

Entre os estudantes presentes, estava o jovem de dezesseis anos, Édson Luís de Lima Souto, atingido por uma bala no peito que lhe causou morte imediata. Viria a ser o fato determinante de uma grave crise que viveria o país. O corpo do estudante foi levado nos ombros pelos colegas até a Assembleia Legislativa onde passaria toda a noite sendo velado por milhares de pessoas, num clima de muita tensão e revolta. Os teatros cariocas, ao tomarem conhecimento do assassinato, suspenderam seus espetáculos e convocaram os expectadores a participarem do velório.

O enterro do estudante foi acompanhado por mais de cinquenta mil pessoas, cujo cortejo percorreu várias ruas do Rio de Janeiro, recebendo a solidariedade da população por onde passava. Iniciava-se, naquela oportunidade, em todo o Brasil, um período de grande agitação que perdurou por todo o ano de 1968.

Em João Pessoa os estudantes do Liceu realizaram comício relâmpago em frente ao colégio, na Avenida Getúlio Vargas, no momento em que Édson Luís era sepultado. Discursos inflamados das lideranças estudantis paraibanas defendiam a decretação de uma greve geral em solidariedade ao movimento paredista que sinalizava acontecer em todo o Brasil. A manifestação foi improvisada pelos alunos do curso noturno do Liceu, mas logo recebeu a adesão de outros educandários e dos que frequentavam as escolas no período diurno.

A vida brasileira foi incendiada por sucessivos acontecimentos que envolviam não só estudantes, mas também os intelectuais e as organizações sindicais. Na Paraíba não foi diferente. Os estudantes nas ruas e a repressão do governo acontecendo, de forma violenta, constituíram=se marcos históricos do enfrentamento à ditadura militar em nosso Estado.

O assassinato do estudante Édson Luís causou forte repercussão nos meios políticos. A Assembleia Legislativa da Guanabara, para onde o corpo foi levado e permaneceu até a hora do sepultamento, abriu sessão em caráter extraordinário com sucessivos e exaltados discursos dos parlamentares em solidariedade aos estudantes que ocupavam as escadarias do edifício, na Avenida Floriano Peixoto.

Osmar de Aquino em discurso na Câmara Federal, afirmou: “A juventude que tem sido a grande vanguarda da libertação nacional, tem sido vítima de uma real perseguição. É a luta do velho contra o novo, do reacionarismo mais primário contra o futuro”. Na Paraíba, o deputado estadual Mário Silveira em discurso declarou: “Esses arreganhos de prepotência, esses insultos ao direito do homem e do cidadão, são uma prova de que este dispositivo montado em 1964 está sofrendo um processo de decomposição”.

A comoção nacional continuava. As agitações estudantis deixavam o governo em regime de alerta. O movimento ganhava apoio importante de parcelas da sociedade que passavam a reconhecer os estudantes como seus representantes nas manifestações de oposição ao regime. A tragédia do Calabouço potencializou a insatisfação geral contra a ditadura.

 


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