Alberto Arcela

Publicitário e jornalista

Paraíba

A festa das Neves


05/08/2023

 

Tive o privilégio de morar durante muitos anos, a poucos metros da festa consagrada à padroeira da cidade, numa época em que as pessoas faziam declarações de amor e trocavam bilhetes apaixonados.

Nesse tempo, o profano e o sagrado dividiam o espaço, alternando promessas e orações com juras e suspiros, e o simples ato de pegar na mão rendia dias e noites de vagas lembranças e prazeres solitários.

A maçã do amor era uma das estrelas da festa, e em seu nome eu caçava com o olhar a Branca de Neve dos meus sonhos e a Eva dos meus desejos.

O parque de diversões também era uma atração à parte. A montanha russa, instalada na frente da cúria, arrancava gritos enquanto percorria os trilhos com seus vagões desembestados. E a roda gigante se apequenava lá no alto com a panorâmica da cidade antiga.

E no meio de tudo, tinha o carrossel, com seus cavalos de pau que só rodavam e não saíam do lugar. Foi lá que encontrei certa vez Fernanda, uma loura bonita que morava na casa ao lado da minha, e para quem escrevia versos de amor. Lembro inclusive que cavalgamos juntos nesse dia ao som de Roberto Carlos, ela a mocinha e eu seu herói, numa história que nem chegou a começar.

E tinha ainda Monga, a mulher bonita que se transformava num macaco feio e feroz. Um circo de horrores que atraia multidões na frente da igreja de São Francisco.

Na minha imaginação, ela era a encarnação do demônio, a besta fera dos quadrinhos de então enfrentando o padre exorcista que vencia com a oração do santo católico.

E tinha também a novena que queria tirar os pecados do mundo. O apelo costumava atrair beatas empertigadas e feias, de modo que eu sempre tinha uma desculpa para não ir.

Preferia o passeio e o pavilhão para ver as meninas e nada mais nos braços.

E lembro tudo isso sem saudade desse tempo. Acho até que a saudade mata a gente.

E também acredito que a festa, com o tempo, perdeu a sua razão de ser e existir. Tipo um sapato velho que não cabe mais.
Perdeu a magia e o encantamento.

As meninas já não aparecem por lá, os cavalos de pau foram para o asfalto e a montanha russa entrou em guerra com a Ucrânia.

Só mesmo a maçã do amor ainda insiste em ficar, provavelmente estimulada pela bruxa que começou a provar do seu próprio veneno. Branca de Neve e as outras mulheres – inclusive as negras e originárias – estão ocupadas demais em mudar o mundo.

Além do que, estou morando a quilômetros de lá e nem Peninha conseguiria me tirar de casa.

Mas, aproveito o ensejo e o espaço para parabenizar a minha cidade que é, com certeza, o recanto mais bonito do Brasil.

Sob as bençãos da sua padroeira.


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