Paraíba

Acusados da execução do advogado Manoel Mattos começam a ser julgados nesta segu

Caso histórico


17/11/2013

Começa nesta segunda-feira, dia 18, o julgamento dos acusados da execução do advogado Manoel Mattos. O caso é visto como um marco para a Justiça Brasileira e para os Direitos Humanos. 

Morador de Itambé (PE), Mattos investigava as execuções na divisa dos estados – conhecida como "Fronteira do Medo" – que contavam com participação de agentes do Estado, como policiais civis e militares. Para garantir a proteção do advogado nessa ação, a Organização dos Estados Americanos (OEA) concedeu, em 2002, medidas cautelares para que o Estado brasileiro desse proteção ao defensor e sua família. Em 24 de janeiro de 2009, entretanto, Mattos foi assassinado na Paraíba, quando estava há dois anos sem escolta policial.

Para a mãe de Mattos, é preciso que a sociedade e o Estado brasileiro olhem para o que ocorreu com seu filho e não permitam mais que isso aconteça: "Eu espero que haja Justiça para que todas as outras mães não passem pelo que eu estou passando, pois a dor é muito grande. Minha luta é para isso. Manoel morreu, mas não deixou apenas saudade. Ele deixou um legado muito grande".

Diversas entidades e organizações, como a Justiça Global e a Dignitatis – Assessoria Técnica Popular, conseguiram, em 27 de outubro de 2010, a federalização das investigações e do julgamento da morte de Mattos, por meio da instauração do Incidente de Deslocamento de Competência (IDC). Esse mecanismo é previsto na Constituição desde 2004 para crimes que envolvam grave violação de direitos humanos. O vice-presidente do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), Percílio de Sousa Neto, acredita que a adoção do IDC significa um novo marco no país: "A impunidade tem sido uma característica muito forte da sociedade brasileira. Precisamos exigir a punição daqueles que transgridem a lei praticando crimes. É um direito da sociedade brasileira ver os infratores serem punidos de forma justa pelo poder competente. Essa federalização foi a indicação de que isso é possível", explicou o vice-presidente.

A promotora Rosemary Souto Maior estava ao lado de Mattos na investigação que levantou mais de 200 assassinatos sem solução ligados a esses esquadrões da morte. Ela acredita que esses grupos atuam em todos os locais onde há ausência do Estado, mas esse fato é pouco debatido e enfrentado. "Esse não é um problema apenas do Nordeste, mas nacional. O que mudou no Nordeste, aqui na Paraíba e em Pernambuco, foi que tivemos a hombridade, a consciência de assumir essa realidade e enfrentá-la. Precisamos de uma nova forma de pensar e de agir. Temos a esperança de que esse julgamento consolide a Justiça e esse caminho pelo IDC".

Como funciona o Tribunal do Juri

O Tribunal do Júri é uma instituição antiga no Brasil e está fundamentado nos princípios da participação popular, plenitude do direito de defesa, o sigilo nas votações, soberania dos veredictos e competência mínima para julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Está previsto na Constituição Federal e seu procedimento é regido pelo Código de Processo Penal (CPP). O Tribunal do Júri foi criado para o julgamento de crimes dolosos contra a vida (sejam eles tentados ou consumados), constituindo um órgão colegiado presidido por um juiz togado e que conta com 25 jurados, dos quais 7 comporão o Conselho de Sentença, que responderá aos quesitos formulados pelo juiz acerca de autoria ou participação, materialidade, causas de diminuição de pena e circunstâncias qualificadoras ou causas de aumento de pena. Sendo assim, quem profere a sentença é o juiz que não poderá contrariar a decisão dos jurados. Em caso de condenação, o juiz irá aplicar a pena, estabelecendo seus efeitos.
De acordo com o CPP, é obrigatório o comparecimento dos jurados sorteados no júri. Podem ser jurados: cidadãos maiores de 18 anos de notória idoneidade. Uma vez convocados, os jurados podem alegar escusa de consciência, que é a recusa em submeter-se à obrigação legal, por motivos de crença religiosa ou convicção filosófica ou política. Em caso de recusa do jurado à obrigação de comparecer ao júri, deverá prestar serviço alternativo previsto em lei determinado pelo juiz.

Antes de iniciado o julgamento, dentre os 25 jurados sorteados previamente, o juiz procede ao sorteio dos 7 que farão parte do Conselho de Sentença. No momento da escolha, tanto a defesa quanto a acusação podem recusar o jurado sorteado. Por fim, após a definição dos 7 nomes, essas pessoas não poderão comunicar-se entre si e nem com outras pessoas até o final do julgamento.

No júri do caso Manoel Mattos que será realizado no dia 18 de novembro de 2013 na Justiça Federal da Paraíba, vale destacar a importância da atuação dos jurados que comporão o Conselho de Sentença, tendo em vista que se trata de um caso emblemático de grave violação aos direitos humanos (primeira federalização no Brasil) de acordo com a Emenda Constitucional 45/2004 e que servirá para a elucidação de muitos outros casos que envolvem a atuação dos grupos de extermínio na região conhecida como “fronteira do medo” (PB – PE). Como afirmou Nair Ávila, mãe de Manoel Mattos, “além da memória saudosa do meu filho, o júri popular do caso Manoel Mattos entra para a história como um daqueles momentos inesquecíveis para o Brasil”.
 

Cronologia

1994 – Chegada a Itambé – PE da promotora de Justiça Rosemary Souto.

1999 – Manoel Mattos foi o candidato a vereador pelo Partido dos Trabalhadores mais votado da história de Itambé.

2000 – Posse de Manoel Mattos na Câmara de Vereadores de Itambé.

2000 – Maio – Denúncias públicas sobre a atuação de pistoleiros e de grupos de extermínio nos Estados da Paraíba e de Pernambuco: CPI do Narcotráfico, Roubo de Cargas e Pistolagem – Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco.

2000 – Grupo de trabalho designado pela Procuradoria Geral de Justiça de Pernambuco denunciou à CPI do Narcotráfico, Roubo de Cargas e Pistolagem a ocorrência de mais de 100 homicídios de autoria desconhecida na região de Timbaúba e Itambé, no período de 1995 a 2000.

2000 – Criação de um Grupo Especial de investigação formado por promotores de Justiça e delegados especiais de Pernambuco após a CPI.

2001 – 15 de janeiro – Delegado especial em Itambé obteve a decretação de prisão de mais de 10 membros do grupo de extermínio e efetuou a prisão de 5 deles.

2001 – Setembro – Após identificar os integrantes dos grupos de extermínio e no momento em que aprofundava as investigações, o Delegado especial e seu grupo de trabalho foram injustificadamente afastados das investigações pela Secretaria de Defesa Social de Pernambuco.

2002 – Fevereiro – Comando do 2º Batalhão de Polícia Militar determinou que dois policiais militares prestassem segurança pessoal ao vereador Manoel Mattos.

2002 – Agosto – Proteção policial a Manoel Mattos é suspensa por determinação da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco.

2002 – 28 de agosto – Manoel Mattos solicitou providências ao Promotor de Defesa da Cidadania de Pernambuco para preservar sua integridade física e de sua família.

2002 – 16 de setembro – Justiça Global solicita Medidas Cautelares à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA) para Manoel Mattos, Rosemary Souto Maior, Luiz Tomé “Lula” e seus pais.

2002 – 23 de setembro – Medidas Cautelares, concedidas pela CIDH/OEA, determinando que o Estado brasileiro concedesse proteção integral a ser realizada pela Polícia Federal e que realizasse uma investigação séria e exaustiva para identificar os responsáveis pelas ameaças e atentados. O Brasil não cumpriu nenhuma dessas recomendações.

2003 – Comissão do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) publicou a Resolução nº 11 de 11/03/2003, com a finalidade de apurar denúncias da atuação de “grupos de extermínio” nos estados da Paraíba e de Pernambuco.

2003 – 21 de março – Justiça Global solicitou a renovação das Medidas Cautelares à CIDH/OEA.

2003 ¬– 1º de abril ¬– CIDH/OEA solicitou prorrogação das medidas cautelares, renovando as determinações anteriores.

2003 ¬– 4 de abril ¬– “Lula” nunca foi incluído no Programa Federal de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas e morreu no hospital, em 4 de abril de 2003, sob fortes suspeitas de negligência médica. Seus pais, que também se encontravam ameaçados, nunca receberam proteção.

2003 ¬– Foi suspensa a proteção a Rosemary Souto Maior de Almeida, promotora de Justiça em Itambé. Este fato foi informado pela Justiça Global, em 20 de agosto de 2003, à CIDH/OEA.

2003 ¬– Setembro – A relatora especial da ONU para Execuções Sumárias, Arbitrárias e Extrajudiciais, Asma Jahangir, reuniu-se com Manoel Mattos durante sua visita ao Brasil e este pôde, pessoalmente, relatar todas as ameaças que vinha sofrendo. Nessa ocasião, o agricultor Flavio Manoel da Silva, sobrevivente de uma tentativa de homicídio, cometida por um policial, também prestou depoimento para a relatora da ONU em Itambé. Quatro dias depois, em 27 de setembro de 2003, Flávio foi assassinado, a tiros, por criminosos desconhecidos.

2004 – Fevereiro – Em seu relatório sobre a visita ao Brasil, apresentado em 11 de fevereiro de 2004, Asma externou sua indignação sobre a morte de Flávio Manoel e fez sérias recomendações ao governo brasileiro, tais como: o fortalecimento do Ministério Público e das Ouvidorias de Polícia, a reforma do Sistema Judiciário, a independência dos Institutos Médico-legais, e, sobretudo, a garantia do governo brasileiro "de que todas as pessoas em perigo de serem executadas, incluindo aqueles que recebem ameaças de morte, sejam efetivamente protegidas".

2004 – 16 de abril – Através do ofício, expedido pelo chefe da Delegacia Regional Executiva da Polícia Federal, a proteção prestada pela Polícia Federal a Manoel Mattos foi suspensa.

2004 – Manoel Mattos foi um dos depoentes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Extermínio, da Câmara dos Deputados, criada para investigar a existência e a ação de milícias armadas e de grupos de extermínio.

2004 – 26 de abril – Manoel Mattos enviou um informe à Representante Especial da ONU sobre Defensores de Direitos Humanos no qual relatou a omissão da autoridade policial federal em cumprir a determinação ministerial e da OEA.

2004 – 17 de maio – CIDH/OEA deferiu o pedido de renovação das Medidas Cautelares feito um mês antes (14 de abril de 2004) pelos peticionários em razão da continuidade do risco à integridade física e à vida dos beneficiários, posto que o vereador Manoel Mattos e a promotora Rosemary Souto Maior de Almeida ainda recebiam ameaças por suas atuações.

2004 – Até o dia 2 de junho de 2004, a proteção policial concedida pela CIDH/OEA ainda não havia sido oferecida aos ameaçados, levando os peticionários a requererem a imediata concessão de proteção a Manoel Mattos e outros beneficiários.

2004 – 9 de julho – Justiça Global solicita à CIDH/OEA que adote medidas enérgicas, em caráter de urgência, no sentido de garantir o cumprimento das Medidas Cautelares solicitadas para assegurar a vida e a integridade pessoal de Manoel Mattos e de Rosemary Souto Maior

2004 – 20 de outubro – Quando Manoel Mattos já estava sob proteção da Polícia Federal, foi feita pela Justiça Global uma nova solicitação ao Brasil para o cumprimento integral das Medidas Cautelares.

2005 – Finalizado o Relatório da CPI dos Grupos de Extermínio no Nordeste, que chegou ao quantitativo de mais de 200 execuções sumárias praticadas por grupos de extermínio, em 10 anos, entre os estados da Paraíba e Pernambuco. Recomendou-se que fossem adotadas medidas específicas.

2007 – A proteção da promotora Rosemary foi desativada, mas devido à descoberta, durante investigações da Polícia Federal, de que haveria uma articulação entre um delegado de Polícia, um advogado e um remanescente do grupo de extermínio para assassiná-la, o governador em exercício, Eduardo Campos, ordenou a restituição da proteção de Rosemary.

2008 – Apesar das medidas cautelares de proteção decretadas pela CIDH/OEA, Manoel Mattos ficou sem proteção policial o ano todo.

2009 – Início de janeiro – 20 dias antes da ocorrência do homicídio, Manoel Mattos – que era participante ativo na luta pelos direitos humanos na Zona da Mata pernambucana – foi ameaçado de morte por um homem identificado como “soldado Flávio”, já denunciado anteriormente pelo advogado.

2009 – 24 de janeiro – Manoel Mattos é executado na praia de Pitimbú – litoral sul da Paraíba.

2009 – 28 de janeiro – A Justiça Global e o deputado federal Fernando Ferro (PT-PE) tiveram uma audiência com o ministro da Justiça, Tarso Genro para cobrar que a Polícia Federal investigasse o caso.

2009 – 29 de janeiro – Justiça Global e Dignitatis Assessoria Técnica Popular encaminharam informes sobre o assassinato de Manoel Mattos para a Unidade de Defensores de Direitos Humanos da CIDH/ OEA.

2009 – 10 de março – Dignitatis e Justiça Global encaminharam solicitação de instauração do Incidente de Deslocamento de Competência ao procurador-geral da República.

2009 – 23 de junho – Procurador-geral da República envia ao Superior Tribunal de Justiça pedido de Deslocamento de Competência para “federalização” do caso.

2010 – 27 de outubro – Superior Tribunal de Justiça acata Incidente de Deslocamento de Competência do caso Manoel Mattos, iniciando o processo de “federalização”.

2010 – 15 de agosto – Seminário “Federalização dos crimes contra os Direitos Humanos: estudos e práticas em homenagem ao advogado Manoel Mattos”, promovido pela Dignitatis, Justiça Global, Comissão de Direitos Humanos da UFPB, Centro de Referência em Direitos Humanos da UFPB e Departamento de Ciências Jurídicas da UFPB.

2011 – 22 de novembro – II Seminário sobre “Federalização dos crimes contra os Direitos Humanos: estudos e práticas em homenagem ao advogado Manoel Mattos”, promovido pela Dignitatis, Centro Acadêmico Manoel Mattos e CDDPH.

2013 – 13 de novembro – III Seminário “Federalização dos crimes contra Direitos Humanos: o júri do caso Manoel Mattos”, promovido pela Dignitatis, CDDPH e Centro de Referência em Direitos Humanos da UFPB.

2013 – 18 de novembro, às 9h, no Fórum da Justiça Federal da Paraíba – Julgamento pelo Tribunal do Júri do caso Manoel Mattos.
 



Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.
// //