Política

Artigo: pesquisador Felipe Araújo compara a política ao mercado financeiro


29/11/2018



Política vs Mercado Financeiro: Qual informação importa para o investidor?

Felipe Araujo de Oliveira – Economista pela UFPB e pesquisador em Macroeconomia Financeira

Era sexta pela manhã, por volta das 6:00 a.m. do dia 04 de março de 2016, um dia depois do meu aniversário. Mesmo assim, decidi ir cedo para a universidade, quando ligo o rádio e de repente ouço que haveria uma condução coercitiva ordenada para o ex-presidente Lula prestar depoimento.

Agora tudo fazia sentido. Naquela época, meu hobbie nas quintas à noite era observar o comportamento da estrutura a termo da curva de juros do contrato futuro de Depósitos Interbancários (DI). Os contratos com vencimento mais longo tendem a precificar incerteza econômica, e naquele dia a curva havia despencado. Algo estava por vir, eu só não sabia o que.

No inicio daquela manhã o índice Bovespa subia mais de 4% e as ações da Petrobras em torno de 16% com alguns dos seus contratos de opções apresentando valorização de até 10 vezes. Olhei para o mercado aquele dia e me dei conta que havia perdido uma grande oportunidade de rentabilizar. Sem dúvidas, milhares de investidores se decepcionaram da mesma forma. Naquele período, a política ditou a tônica das teses de investimento de boa parte dos analistas no Brasil. A volatilidade queo noticiário policial gerava vinha acompanhada de oportunidades de ganho rápido: bom para os profissionais e para os sortudos de plantão.

É cada vez mais aceito pelos estudiosos do assunto, que quando os políticos discursam, os mercados financeiros reagem. A interação entre política e o mercado financeiro é parte da agenda de pesquisa, por exemplo, do Departamento de Economia da Universidade de Chicago, o qual lançou recentemente um projeto que objetiva mensurar os impactos econômicos da incerteza política [1]. Essa agenda é encabeçada pelo Prof. Andrés Zingales e pelo Prof. Pietro Veronesi, que esteve no XVII Encontro Brasileiro de Finanças em Brasília no ano passado.

Com o amadurecimento dos mercados de capitais e de derivativos ao redor do mundo, riscos de crédito ou de liquidez são transferidos entre os agentes por meio de inovações financeiras. Como corolário, esses riscos são cada vez mais risco de mercado, ou seja, traduzidos em oscilação de preços. Essa é a característica das novas ferramentas financeiras como o Credit Default Swap (CDS), aceito pelo mercado como uma medida de risco político-econômico. Esse produto corresponde a um seguro transacionado entre instituições financeiras, que garante ao segurado o recebimento de parte do montante investido em caso de calote por parte do governo. Como consequência, uma maior probabilidade de insolvência devido à instabilidade econômica e política é sentida e rapidamente precificada pelos swaps.

Sabemos que com mercados financeiros e economias globais cada vez mais conectadas, as inovações financeiras permitem não só maior eficiência na alocação de poupança, como também maior incerteza quanto a informação que impacta o preço. A complexidade gerada pela interação de diversas variáveis com potencial de impactar o preço torna as relações de causa e efeito menos previsíveis, o que dificulta a tomada de decisão por parte de investidores, gestores e bancos centrais.

Em alguns momentos, fatores globais podem ter mais influência no mercado Brasileiro, do que a conjuntura local. Em Texto de Discussão 475 do Banco Central, chamado “Short-Term Drivers of Sovereign CDS Spreads”, Marcelo Takami mostra que quando se tratam de países em desenvolvimento, o CDS pode estar precificando as oscilações do mercado americano ou do câmbio. Os testes estatísticos não são significantes para fatores locais como a curva de juros, a situação do setor bancário ou dos títulos do governo. Essa analise está em linha com a pesquisa, “How Sovereign is Sovereign Credit Risk?”, do Prof. Francis Longstaff da UCLA, que mostra que em torno de 64% das oscilações do prêmio de risco local são explicadas pela situação da macroeconomia mundial.

Bom, minha provocação ao leitor é a seguinte: O que o passado recente nos ensina quanto à gestão dos investimentos em meio à incerteza política?

Voltemos ao Brasil entre 2014 e 2016, que esteve sensível às crises fiscais e políticas; ao noticiário policial com a operação “Lava-Jato”; e, também eventos de importância global como eleições americanas, política monetária expansionista nos países desenvolvidos e movimentações no mercado de commodities. Nesse contexto, responder à pergunta “Qual a informação que importa?” de maneira adequada, no Brasil, foi um desafio para analistas.

Isso se tornou evidente quando os especialistas (não todos) passaram a indicar investimentos com base na agenda política e policial do país. Até que o analista macroeconômico de uma instituição internacional [3], Vladimir Signorelly, apontou que se estaria atribuindo um peso excessivo à política. Segundo ele, todos os mercados Latino-Americanos estariam fortemente correlacionados ao mercado de petróleo e “O Brasil não é uma exceção” [4].

Bom, foi com o objetivo de responder aos anseios dos investidores com ferramentas estatísticas mais sofisticadas, que me reuni com os Professores Sinézio Maia e Cássio Besárria, e o doutorando Diego Pitta, para elaborar o artigo “Which Information Matters to Market Risk Spreading in Brazil?” que publicado esse ano no The North American Journal of Economics and Finance.   

A principal conclusão desse estudo foi que não só a agenda política moveu o mercado de ações no Brasil. Como também a retomada do ciclo de alta no mercado de commodities, as continuas ações do Banco Central americano e a demanda por minério de ferro e cobre pelos chineses e americanos.

Em alguns momentos, o investidor internacional se posicionou em Brasil por meio das ações da Petrobrás e da Vale. Além da motivação de redução de custos, esses investidores puderam se beneficiar não só da alta correlação desses ativos com suas respectivas commodities, como também do recebimento de dividendos e da facilidade de movimentar esse fluxo em vários setores.

Devido ao papel periférico que os mercados emergentes possuem no mercado financeiro internacional, a simples movimentações de grandes fundos em busca de uma relação retorno-risco mais vantajosa podem implicar em uma fonte de risco adicional para investidores. Que não necessariamente estaria relacionado com o ambiente político-econômico Brasileiro.

A consequência desses achados para os investidores chega a ser didática. Quem seguiu recomendações de curto prazo com base apenas nos acontecimentos em Brasília, provavelmente se expôs a mais risco do que gostaria. Por outro lado, os gestores que se atentaram para o uso de uma carteira adequadamente diversificada e de derivativos que protegessem para o pior cenário tiveram espaço para aproveitar a tendência positiva do mercado sem maiores problemas. Lembre que nesse período houve não só a condução coercitiva do ex-presidente Lula, mas outros eventos inesperados, como o “Joesley day”, a eleição do presidente americano Donald Trump ou o BREXIT.  

Pois é, a interseção entre política e movimentos especulativos dos mercados financeiros é talvez um dos maiores temas mal-entendidos até mesmo para analistas treinados, quem dirá para o cidadão que acompanha o noticiário. Não é a especulação que causa instabilidade financeira e econômica aos países e/ou empresas, e sim o inverso. Característica marcante do mercado financeiro é sua ansiedade com relação ao futuro. Os investidores estão constantemente em busca de indícios de que terão lucro no futuro. Daí o nervosismo com que eles reagem aos acontecimentos das políticas adotadas.

Warren Buffet, usa sempre a alegoria de seu mestre Benjamin Graham, que anedoticamente se referia ao Sr. Mercado como o sócio de temperamento difícil. Seria diagnosticado pelos psicólogos com o quadro de maníaco-depressivo. Um dia acorda eufórico, no outro depressivo. Não deixar se levar pelos impulsos de seu sócio e aproveitar suas visões de longo prazo para tomar decisões é o que fez Buffet se tornar um dos maiores investidores de todos os tempos.

Em suma, os mercados são pragmáticos e ansiosos, mas não tem bola de cristal. Se o próximo governo cria a expectativa de maior crescimento econômico, o Sr. Mercado se torna eufórico. Caso as políticas econômicas adotadas e o ambiente econômico não entreguem o prometido, ele se arrepende e cai em profunda depressão. Em último caso, ele é um indicador antecedente, mas não a causa dos acontecimentos. Acreditar no contrário é arriscado.

Para os curiosos, uma última nota. O conceito do risco de mercado saiu do escritório de diversos prêmios Nobel em economia no último século como um simples conceito acadêmico e foi transformado em variável crucial para tomada de decisão para os players de mercado e seus reguladores. Apesar de evoluir rapidamente, ser atual e estimulante, a agenda de estudo do gerenciamento de risco ainda enfrenta desafios. Como a dificuldade de modelar a complexidade do sistema financeiro e responder qual a informação que de fato importa.


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