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Coordenador do MTST afirma que protestos serão intensificados durante a Copa

Copa do Mundo


28/05/2014



Um dos grandes temores de governos e da própria Fifa para 2014 deve ser concretizado nas próximas semanas. Depois do ato que reuniu mais de 15 mil pessoas em São Paulo e paralisou diversas vias da cidade na última quinta-feira (20), os protestos contra a Copa do Mundo prosseguirão com a periodicidade semanal atual e, a menos que as demandas do movimento "Copa Sem Povo, Tô na Rua de Novo" sejam atendidas, elas se manterão nas ruas de forma ainda mais intensa ao longo do Mundial.

A promessa é de Guilherme Boulos, um dos coordenadores do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), grupo atualmente composto por 20 mil famílias em áreas ocupadas só na Grande São Paulo que se tornou o protagonista dos atuais protestos devido ao seu crescimento junto às classes de menor poder aquisitivo de um ano para cá.

“Temos realizado reuniões com os três níveis de governo – municipal, estadual e federal. Tivemos uma na semana passada e teremos outra nesta semana, mas ambas foram para tratar especificamente da Copa do Povo (área na zona leste da cidade em que o MTST organizou uma ocupação no início do mês). No entanto, do ponto de vista geral da nossa pauta, ainda não há nada de concreto”, diz ele em entrevista ao iG.

A ameaça de grandes protestos, no entanto, sequer existiria se não fossem as manifestações de junho passado, que criaram uma nova consciência de luta de rua na população brasileira após ser aprovada a redução da tarifa de ônibus exigida pelo Movimento Passe Livre (MPL). Mas faltou organização para se exigir novas demandas – e, com habilidade, organização e crescimento, o MTST ocupou esse espaço.

Atualmente, o grupo é o principal representante da Frente de Resistência Urbana, organização de diversos movimentos sociais que criou o "Copa Sem Povo, Tô na Rua de Novo", com reivindicações que passam por questões como moradia, saúde, segurança, educação, transporte e até desmilitarização das polícias no País. E Boulos acredita em um crescimento vertiginoso na adesão popular às suas demandas, muito embora não haja a intenção de repetir em 2014 o número de pessoas registrado nos protestos do ano passado.

“Em algumas manifestações havia sujeitinho com cartaz pedindo pela redução da maioridade penal, exigindo a volta da Ditadura Militar… Isso não cabe na nossa manifestação. O movimento que estamos puxando tem cor, é vermelho; e a pauta tem lado. Que isso fique muito claro. Nós não vamos abrir mão da nossa pauta para abranger novos setores sociais com reivindicações difusas e que só interessam a setores da mídia e da própria elite do País", resume ele.

Confira a entrevista

iG – O MTST reuniu 15 mil pessoas em uma única manifestação na última quinta-feira (22) em São Paulo, recorde no ano. Os protestos vão continuar durante a Copa do Mundo?

Guilherme Boulos – É possível. Mas a continuidade das manifestações não depende só do movimento, mas também dos governos. Nós temos uma pauta que já foi apresentada para o conjunto da sociedade e a todas as esferas do poder público. Na medida em que a pauta do movimento não for atendida, existe sempre a tendência de uma intensificação das manifestações, uma radicalização das mobilizações, que podem inclusive ocorrer durante a Copa. Agora, se a pauta do movimento, que inclui uma ampla reforma urbana de direitos sociais, encontrar um eco e passar a ser atendida pelos governos federal, estadual e municipal, a tendência é que as mobilizações não se aprofundem no Mundial.

iG – Parece difícil que todas as pautas sejam atendidas no curto período que antecede o torneio…
Boulos – Então as mobilizações vão se intensificar. Acho difícil ter um atendimento segmentado das nossas propostas, pois pontos importantes dela passam por toda a reforma urbana. Além da moradia, incluímos questões relativas à educação, saúde, transporte, segurança, justiça.

E temos levado essa pauta de forma consequente e unitária, unificada, não de forma segmentada. Isso não significa que sejamos do tipo que "ou é tudo o que queremos ou não brincamos mais". Sabemos que há uma relação de forças sociais e há pautas que, vamos dizer assim, são fundamentais, inegociáveis. Aquelas que têm de ser atendidas. Há também outras pautas que pensamos inclusive do ponto de vista de longo prazo, mas é preciso ao menos algum tipo de sinalização por parte dos poderes públicos. Isso é uma questão a ser definida na mesa de negociação.

iG – Houve alguma sinalização para um acordo?
Boulos – Temos realizado reuniões com os três níveis de governo – municipal, estadual e federal. Tivemos uma na semana passada e teremos outra nesta semana, mas ambas foram para tratar especificamente da ocupação Copa do Povo. No entanto, do ponto de vista geral da nossa pauta, ainda não há nada de concreto.

iG – Tendo em vista as dificuldades para negociar as pautas neste momento, qual é o planejamento para as manifestações durante a Copa do Mundo?
Boulos – Dia 6 de junho temos um amistoso, Brasil x Sérvia, no Estádio do Morumbi; depois, dia 12, ocorre a abertura; antes disso, nos dias 10 e 11, teremos o Congresso da Fifa, que vai ocorrer aqui em São Paulo, no Hotel Transamérica. Caso as reivindicações não sejam tratadas no período atual, é sempre possível que ocorram manifestações nessas e em outras datas.

iG – Na manifestação da semana passada o senhor usou o termo "Copa do Sangue" para o caso de as reivindicações não serem atendidas. O que quis dizer com isso?
Boulos – O termo foi descontextualizado. Perguntaram-nos ali: e se houver despejo na Copa do Povo? Não queremos que haja despejo e estamos buscando uma negociação para que isso não aconteça. Mas, caso ocorra, vai haver resistência. Se o governo, o proprietário e a polícia optarem por uma solução violenta e não negociada na ocupação, vai haver resistência e, metaforicamente, podemos falar em uma situação sangrenta. É disso que se trata.

iG – As ações de reintegração de posse por parte da Polícia Militar seguem truculentas ou arrefeceram um pouco após repercussões negativas de ações como a ocorrida em Pinheirinho?

Boulos – O cenário ainda é dramático. Há reintegrações que ocorrem silenciosamente todos os dias no País e muitas delas com grande violência por parte da polícia. No nosso entendimento, só o fato de se retirar alguém do lugar onde vive de forma forçada já é uma violência. Agora, quando isso é feito de forma truculenta, agressiva, a situação é ainda pior. Por isso que um dos pontos de destaque da nossa pauta é a criação de uma comissão federal de prevenção de despejos forçados no País, para que o poder público tenha o dever de acompanhar esses despejos do ponto de vista social e humanitário. Não dá para se tirar uma família do lugar onde ela mora e jogá-la na rua. Isso é um descalabro, é inadmissível. É preciso haver uma política pública para lidar com esse problema. Deixá-lo na mão da polícia é esperar por uma solução violenta.

iG – Como são essas reintegrações?
Boulos – Normalmente, são feitas de forma ilegal, porque o Código de Processo Civil diz que os mandados de reintegração têm de ser cumpridos entre 6h e 18h. Pinheirinho foi ilegal: fizeram num domingo, com uma ordem da Justiça Federal em contrário… É todo tipo de aberração.

iG – Quem está participando dos atuais movimentos do MTST?

Boulos – Esta campanha "Copa Sem Povo, Tô na Rua de Novo" é puxada pela Frente de Resistência Urbana no País todo. E o MTST, por ter sido nos últimos anos o movimento popular urbano que mais tem se mobilizado nas grandes cidades, acabou tendo um protagonismo neste processo. Mas há vários outros movimentos participando e construindo esta luta. Aqui em São Paulo estão de algum modo juntos na campanha o próprio Movimento Passe Livre (MPL), a turma do Coletivo Juntos, do Coletivo Construção, o MST participou da ocupação da Oderbrecht que fizemos, a Frente Nacional de Lutas Campo e Cidade, do Pontal do Paranapanema, também; o pessoal do Fórum Popular de Saúde, o Comitê Popular da Copa,… Enfim, uma série de organizações.

iG – O MTST tem conseguido atrair pessoas sem envolvimento com organizações específicas para seus protestos?
Boulos – Acho não só que está atraindo como tende a atrair muito mais. Muito embora nossa pauta seja muito bem definida na questão dos direitos sociais, o que afasta a possibilidade de adesão de setores que não concordem com ela. Mas não temos nenhuma ilusão de atrair toda a sociedade para o nosso lado.

Esse tipo de consenso social é uma coisa inexistente, ilusória. Nossas pautas têm lado, defendem o interesse da maioria trabalhadora da sociedade contra uma elite que hoje se apropria do grosso dos recursos públicos e que tem boa parte do poder do Estado em suas mãos. Assim, nossas reivindicações não vão agradar a toda a sociedade, mas dentre os moradores e trabalhadores da periferia temos visto uma adesão cada vez maior.

iG – Especialistas em ciência política e social consultados pelo iG opinaram que dificilmente as manifestações deste ano repetirão o sucesso popular registrado em junho passado devido à falta de espontaneidade dos movimentos atuais. O senhor concorda com isso?

Boulos – Espontaneidade tem lado bom e lado ruim. De fato, uma espontaneidade difusa pode até atrair mais gente, inclusive grupos de interesses diversos. O Movimento Passe Livre, no ano passado, tinha uma pauta muito clara; no entanto, as manifestações foram adquirindo um caráter mais amplo, com grupos de interesses incompatíveis.

Em algumas manifestações havia sujeitinho com cartaz pedindo pela redução da maioridade penal, exigindo a volta da ditadura militar… Tinha de tudo. Isso não cabe na nossa manifestação. O movimento que estamos puxando tem cor, é vermelho; e a pauta tem lado. Que isso fique muito claro. Nós não vamos abrir mão da nossa pauta para abranger novos setores sociais com reivindicações difusas e que só interessam a setores da mídia e da própria elite do País. Não é isso o que queremos. O que estamos e vamos continuar fazendo são mobilizações em torno de interesses da maioria dos trabalhadores deste País. Isso pode levar a uma menor adesão espontânea às manifestações? Verdade, pode. Mas, por outro lado, também pode, e já está levando, a uma maior adesão organizada a elas.

iG – No dia 15, as manifestações se espalharam por São Paulo e, por mais bem sucedidas que tenham sido, pareceram um tanto esvaziadas, já que foram várias por toda a cidade. Na semana passada, quando os movimentos se uniram em um protesto único, iniciado no final da tarde, o impacto foi outro. Mais de 15 mil pessoas foram às ruas, o que em muito lembrou os movimentos de junho do ano passado. Qual linha de protesto o MTST pretende abraçar a partir de agora?

Boulos – É bem provável que na próxima semana tenhamos uma nova mobilização unificada. É a perspectiva com a qual o movimento está trabalhando, de uma nova grande manifestação. E não só em São Paulo: estamos discutindo essa possibilidade com representantes do movimento em outros estados, como Distrito Federal, Ceará e do próprio Rio de Janeiro. Nosso movimento está se fortalecendo por sua legitimidade social perante um problema tão absurdo que é a questão urbana no País. A forma como o mercado imobiliário e as construtoras estão dominando a política urbana brasileira tem se tornado cada vez mais insustentável para a maioria da população. Isso é perceptível e faz com que nossa pauta tenha grande legitimidade e apelo social.

iG – Como as grandes manifestações de junho alteraram o ato de ir às ruas no País?
Boulos – Na nossa avaliação, os movimentos do ano passado deixaram um efeito muito positivo. Foi um recado para a consciência da maioria da população brasileira que disse o seguinte: se for à rua, se mobilizar e se organizar tem resultado. Afinal, a tarifa (do transporte público, reivindicação do MPL, responsável por atrair as massas aos protestos de 2013) abaixou. Até então, a mobilização popular estava desacreditada. Desde o final da década de 1980, não se via grandes movimentos populares no Brasil. A mobilização popular vinha e continua sendo criminalizada, tratada como caso de polícia, como coisa de vagabundo que não tem o que fazer. Isso ainda existe, afinal foram 20 anos de discurso ideológico na cabeça da população. Mas junho, de algum modo, apontou para a reversão desse quadro.

Houve amplo apoio popular, uma grande participação e a postura repressiva, num primeiro momento, principalmente em São Paulo, com o governador Geraldo Alckmin, caiu muito mal. Assim, parte do povo percebeu que era preciso se mobilizar. Não à toa, esse processo que a gente denuncia do aumento dos aluguéis e da especulação imobiliária já vinha desde muito tempo, mas só no segundo semestre de 2013, de junho até o fim do ano passado, ocorreram mais de cem ocupações urbanas em São Paulo. Junho se transformou no gatilho para esse processo. Foram ocupações espontâneas, muitas vezes sem ligação com nenhum movimento. As pessoas vinham sofrendo caladas e, depois de junho, perceberam que podia haver um caminho para melhorarem de vida através da organização e da luta.

iG – As manifestações também ajudaram o MTST a crescer, não?
Boulos – O movimento cresceu e isso tem a ver com o agravamento do déficit habitacional no País. O movimento cresce quando as demandas que ele representa, que eleleva adiante, ficam mais intensas na sociedade. O problema da moradia por conta do agravamento da especulação imobiliária é um barril de pólvora no Brasil. Hoje, o esforço de famílias para pagar aluguel é uma coisa sobrehumana. O que o aluguel representa na renda de milhões de trabalhadores urbanos no Brasil está praticamente inviabilizando as condições de vida. Chega no final do mês, o pai e a mãe têm o seguinte dilema: o aluguel ou o leite das crianças.

Ou seja, para manter o valor de aluguel que ele possa pagar, é necessário se mudar para muito mais longe. Isso significa deterioração da qualidade de vida: uma hora a mais para ir ao serviço e voltar; serviços de saúde e educação, que já eram precários, se tornam mais precários ainda; menos infraestrutura. A periferia vai se expandindo e as pessoas vão sendo expulsas para regiões mais distantes. Esse processo, que tem ocorrido no Brasil de forma muito perversa, principalmente nos grandes centros urbanos, é o que tem feito o MTST crescer.

iG – Para o MTST, qual é o maior problema em relação à realização da Copa do Mundo no Brasil?
No nosso entendimento, o problema principal é a especulação imobiliária e os despejos. É o que a Copa produziu de efeito urbano nas suas 12 cidades-sede. A Copa aprofundou a especulação imobiliária e levou a centenas de despejos por obras, em muitos casos, bastante questionáveis. A tal obra de acessibilidade em Itaquera, com aqueles viadutos que foram feitos, se limita à acessibilidade ao estádio.

O morador do bairro, os vizinhos do Copa do Povo continuam demorando o mesmo tempo para ir e voltar do serviço. A acessibilidade deles não melhorou, o bairro não melhorou. O que se produziu nesse processo, até relacionado às obras, foram despejos de famílias e um processo de aumento nos preços de aluguéis. Esse é o grande legado negativo da Copa do Mundo.


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